“MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!”- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS
Entre os dias 27 e 29 de agosto de 2014,
foi realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) o X ENECULT (Encontro de
Estudos Multidisciplinares em Cultura), um evento cujo objetivo principal é o
de fomentar a interlocução entre os estudiosos da cultura em uma perspectiva
transversal e multidisciplinar. Durante o evento foram apresentados diversos
trabalhos inseridos em eixos temáticos como Culturas
digitais; Culturas e América Latina;
Culturas e artes, Culturas e narrativas audiovisuais; Culturas e mídias; Culturas, gêneros e sexualidades; entre outros.
Eu e minha colega Luana Santos
participamos do evento no dia 27, apresentando um trabalho cujo título foi “MULHER FAZ ISSO?! EU
NÃO ACREDITO!”- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS.
Em nossa apresentação, nós esclarecemos, logo de início, que o título de nosso
trabalho traz consigo a expressão de espanto de um homem que tomou conhecimento
de alguns dos escritos presentes em portas de banheiros femininos da UFBA, escritos
esses que foram apresentados por nós em uma das sessões de comunicações do
SEPESQ (Seminário Estudantil de Pesquisa em Letras) 2011, um evento que
acontece no curso de Letras. Por meio da fala de espanto dele, nós pudemos
perceber que o que ele viu através dos grafitos não era nada daquilo que ele esperava
ter sido produzido por uma mulher.
Nós tomamos a oração “MULHER FAZ
ISSO?! EU NÃO ACREDITO!” como ponto
de partida para a reflexão que propomos, buscando pensar um pouco
sobre alguns dos aspectos que têm caracterizado a produção escrita feminina nas
portas dos banheiros.
Um dos tópicos que tratamos foi Mulher e o espaço do banheiro público: Compreendendo
suas relações. Para abordá-lo, nós tomamos por parâmetro as perspectivas de
Preciado (2002), Almeida (2009) e Maia
(2012). Destacamos, por exemplo, que a divisão dos banheiros em masculino e
feminino é uma construção moderna marcada por relações de poder. De acordo com
Maia (2012):
O controle dos corpos ocorre antes mesmo de
entrarmos em um banheiro. Já na porta somos questionados sobre o nosso gênero;
não nos é perguntado se vamos mijar ou se vamos cagar, somos, sim, interpelados
pelo nosso sexo/gênero: somos homens ou mulheres?(MAIA, 2012 p. 2).
No mesmo tópico, nós falamos sobre como a construção do feminino se dá dentro e
fora das cabines. No que diz respeito à construção da feminilidade dentro das cabines, por exemplo,
a mulher, mesmo em espaço público, dispõe praticamente da mesma privacidade que
têm no banheiro doméstico, ao contrário dos homens que, ao irem ao mictório,
são expostos ao olhar do outro.
No tópico intitulado O que estudos sobre os grafitos de banheiro têm apontado, nós
procuramos destacar a informação de que, embora nas portas de banheiros seja
possível que qualquer escrita seja protegida pelo anonimato, até pouco tempo, a
escrita feminina de grafitos se mostrava um tanto tímida, tanto que, em 1967,
Landy e Steele apontaram, em seu estudo, que os homens
produzem significantemente mais grafitos do que as mulheres. Outra informação
destacada corresponde ao fato de que é
comum se considerar que temas de cunho sexual ocorrem mais em banheiros
masculinos do que em femininos.
Já, no tópico A escrita feminina nas portas das cabines dos banheiros: O caso da UFBA,
trouxemos à tona o fato de que, de acordo as pesquisadoras Teixeira e Otta
(1998), Lanny Kutakoff, no estudo cujo título é Sex diferences in bathroom
graffiti (1972), fez a análise de grafitos encontrados em banheiros de
faculdades localizadas em Boston e constatou que os grafitos femininos se
mostraram mais conservadores e convencionais. Essa constatação de Lanny
Kutakoff dialoga com as próprias considerações de Teixeira e Otta (1998), pois
elas dizem que:
Surpreendentemente,
grafitos de banheiro têm revelado atitudes tradicionais de papéis sexuais.
Apesar de a privacidade e o anonimato estarem garantidos nos banheiros, vários
pesquisadores descobriram que autores de grafitos frequentemente seguiram
estratégias de comunicação socialmente condicionadas. (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p.
234).
Entretanto, nós percebemos que, pelo
menos nos banheiros femininos da UFBA, as autoras dos grafitos não parecem se
conformar tanto com os padrões sociais. Muitas delas acabam quebrando certos padrões.
Para alguns, essa quebra ainda é vista com grande surpresa. Prova disso, é o
título deste trabalho.
Levando em consideração os aspectos apontados
acima, eu e Luana buscamos analisar em nosso trabalho a ocorrência dessa
escrita de grafitos nos banheiros femininos, bem como analisar como os temas
tidos como “não femininos” ocorrem nestes espaços. Nós usamos a expressão “não
femininos” para nos referirmos aos temas que, para alguns, não são tidos como
integrantes do universo das mulheres, mas sim dos homens. Visão essa que é
resultante de estereótipos de gênero que ainda persistem na sociedade
contemporânea e a partir dos quais se constrói um imaginário do que estaria ou
não relacionado à mulher.
Uma das imagens de grafitos que exibimos
em nossa apresentação foi a seguinte:
Nela, vemos que a produtora do grafito,
nas condições de anonimato e de liberdade de expressão proporcionadas pela
cabine do banheiro, assume ter se masturbado. Apesar de a masturbação
corresponder a uma prática sexual tida como socialmente proibida, o banheiro se
apresenta não só como local propício para tal prática, como também para a livre
expressão de que ela foi realizada, expressão essa que se dá por meio dos
grafitos.
De modo geral, o que nós pudemos perceber
ao analisar alguns grafitos produzidos em banheiros femininos da UFBA é que temas
tidos como “não femininos”, temas que ainda são tabus em nossa sociedade,
aparecem nos grafitos juntamente com aqueles que muitos acreditam que fazem
parte do universo feminino, que são os temas românticos, filosóficos e
religiosos.
Conforme afirma Couy (2005), os grafitos
femininos têm nos mostrado uma escrita feminina totalmente diferente da que se
espera: ao invés de linguagem metaforizada, discreta, nos grafitos tudo é dito
de maneira direta.
A perspectiva a qual nós chegamos foi a
de que tudo pode ser dito na porta do banheiro, graças à privacidade e
anonimato conferidos ao sujeito neste espaço. (BARBOSA, 1984). Como afirma
Santos (2011), “os banheiros não só ouvem como também falam”, e atentar para
esta “fala” foi o foco de nosso trabalho.
A seguir, você confere um breve trecho de
nossa apresentação no X ENECULT:
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REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Katianne de S. (2009). O
banheiro de portas abertas: entre o público e o privado. Disponível em:
<http://mestradoemantropologia.blogspot.com.br/
2009/06/o-banheiro-de-portas-abertas-entre-o.html>.
Acesso em: 20 jan. 2014.
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro:
A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.
COUY, Venus Brasileira. Mural dos
nomes impróprios: ensaio sobre grafito de banheiro. Rio de Janeiro: 7
Letras, 2005, 117 p.
LANDY,
Eugene E.; STEELE, John M. (1967). Graffiti as a function of building
utilization. Perceptual and Motor Skills,
vol. 25, 1967, p. 711-712.
MAIA, Helder Thiago Cordeiro. Acorda
Alice, aluga um filme pornô - Uma leitura dos banheiros masculinos da UFBA. In:
Revista
Latino-Americana de Geografia e Gênero: Ponta Grossa, n. 3, feb.
2012. Disponível em:<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rlagg/
article/view/1837>.
Acesso em: 22 abr. 2014.
PRECIADO, Beatriz. (2002). Basura y
Género, Mear/Cagar. Masculino/Femenino. Disponível em:
<http://www.hartza.com/basura.htm.>. Acesso em: 22 abr. 2014.
SANTOS, Ludmila Helena Rodrigues dos.
Paredes que ouvem e portas que falam: uma etnografia de banheiros, grafitos e
interações. In: VII ENECULT - ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM
CULTURA, 2011, Salvador. Disponível em:
<http://www.enecult.ufba.br/modulos/consulta&
relatorio/rel_download.asp?nome=33961.pdf>.
Acesso em: 18 maio 2012.
TEIXEIRA, Renata Plaza; OTTA, Emma.
Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. In: Estudos de
Psicologia [online], v. 3, n. 2, Natal, 1998, p. 229-250. Disponível em:
< http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.
pdf>. Acesso em: 12 dez.
2011.
Autora: Aline Matias.
Muito bom!
ResponderExcluirObrigada, Alice ! Aproveito para convidá-la a acompanhar o nosso trabalho através de nossa página no Facebook: https://www.facebook.com/grafitosdebanheiro. É só curtir lá que e também clicar para segui-la, que você terá acesso a todas as informações que nós disponibilizamos sobre os grafitos de banheiro. Além disso, você pode nos seguir também através de nosso Twitter, Tumblr e Canal do Youtube. Esperamos a sua visita e a sua colaboração no envio de imagens de grafitos.
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