No dia 12 de agosto de 2015, eu tive a
oportunidade de participar pela segunda vez (quem quiser saber mais sobre a
primeira vez é só clicaraqui)
do ENECULT (Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Nessa décima
primeira edição do evento, apresentei o trabalho intitulado Uma breve
análise sobre a sexualidade e o amor expressos nos grafitos de banheiro e nos
graffiti de Pompeia.
O trabalho em questão é fruto de
reflexões que tenho feito desde o ano de 2011, quando comecei a pesquisar sobre
os grafitos de banheiro. Ele corresponde mais precisamente à pesquisa que tenho
desenvolvido atualmente no curso de mestrado no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Língua e Cultura da UFBA.
Durante a apresentação, eu exploro o
aspecto da longevidade histórica dos grafitos de banheiro, e apresento alguns
breves exemplos que permitem apontar proximidades e diferenciações entre os graffiti de Pompeia e os grafitos de
banheiro.
Confira no vídeo a seguir mais detalhes
sobre a apresentação:
Entre os dias 22 e 24 de abril de 2015
foi realizado o II Encontro de Estudos
Clássicos da Bahia. Reunindo trabalhos das diversas áreas dos estudos
clássicos, em seus simpósios temáticos, o evento aconteceu no Instituto de
Letras da Universidade Federal da Bahia, em parceria com a Universidade do
Estado da Bahia e a Universidade Estadual de Feira de Santana.
Dentro da programação desse evento ocorreram
outros eventos paralelos e também de grande relevância. Foi realizado o V Encontro Nacional de Professores de Latim,
no qual professores de latim se reuniram a fim de discutir, por exemplo, a
criação de uma associação, a vinculação do grupo à SBEC, a criação de uma
pós-graduação interinstitucional em Letras Clássicas para o Nordeste, cuja sede
proposta pela plenária do último encontro é a UFPB. Além disso, na noite de 23
de abril, houve um momento de confraternização entre os participantes, que se
deu, no Museu de Arte Sacra da Bahia, com o lançamento dos dois volumes da
proposta metodológica Latinitas: leitura
de textos em língua latina*, cujo
autor é o Prof. Dr. José Amarante Santos Sobrinho (UFBA).
Coleção
Latinitas: leitura de textos em língua
latina. Fonte: Site da EDUFBA.
Foi no dia 23 de abril, no período da
tarde, que tive a rica oportunidade de participar do II Encontro de Estudos
Clássicos da Bahia. Inserido no simpósio temático Antiguidade: diferentes
olhares, o título do trabalho que apresentei foi Interfaces entre os grafitos de banheiro e os graffiti de Pompeia: Uma
análise sobre a sexualidade e o amor.
De modo geral, o foco desse trabalho foi a
apresentação de algumas informações sobre a pesquisa que estou desenvolvendo
atualmente no curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Língua e
Cultura (PPGLinC/UFBA), sob a orientação do Prof. Dr. José Amarante, mencionado
anteriormente.
Durante a minha apresentação, falei um
pouco sobre a minha trajetória de pesquisa em relação ao estudo sobre os
grafitos de banheiro, que se iniciou no ano de 2011, quando eu ainda era graduanda
no curso de Letras Vernáculas, da UFBA. Também pontuei que a pesquisa, que está sendo desenvolvida
no mestrado acadêmico, se insere na linha de História da Cultura Escrita no
Brasil, a qual tem aberto o seu espaço para o estudo de novas fontes de
investigação, tais como os grafitos de banheiro. Antes os estudiosos estavam
mais centrados nos testemunhos escritos vinculados ao poder. A partir das
transformações epistemológicas que se deram no campo da História e da
emergência dos estudos sobre alfabetismo e cultura escrita, eles passaram a dar
atenção ao valor cotidiano da escrita.
A proposta dessa pesquisa é a de não
apenas examinar os grafitos de banheiro como prática de escrita vernacular
contemporânea, mas também compreendê-los como parte de uma trama histórica. Nesse
sentido, assim como já abordei aqui em um post (intitulado Os
graffiti de Pompeia e os grafitos de banheiro) anterior , considero
que os grafitos de banheiro produzidos na contemporaneidade mantêm estreita
relação com práticas de escrita de outros contextos históricos. Um exemplo
disso são os graffiti de Pompeia.
Em Pompeia, uma enorme quantidade de
inscrições foi deixada em praticamente todos os espaços disponíveis nos muros e
paredes da cidade, sendo um desses espaços as casas de banho. Na atualidade, o
homem, em sua necessidade de se comunicar, continua a produzir inscrições e ele
faz isso até mesmo no espaço das cabines dos banheiros públicos. As cabines
acabam se tornando um “mural de garantida audiência para nossas acertadas e
espirituosas observações sobre nós mesmo, sobre o mundo, sobre tudo” (BARBOSA,
1984, p. 77).
Levando em consideração informações
apresentadas por Mau (1899), Della Corte (1960), Feitosa (2002), Barbosa (1984)
e Couy (2005), é possível dizer que algo que aproxima os graffiti pompeianos e os grafitos de banheiro contemporâneos é o
fato de que as temáticas da sexualidade e do amor, que se fizeram presentes nos
primeiros de forma recorrente, também têm se presentificado bastante nos
segundos.
Tendo em vista o aspecto da longevidade
histórica dos grafitos, o objetivo geral de minha pesquisa no mestrado é o de
empreender uma análise acerca de como as temáticas da sexualidade e do amor têm
sido expressas nos grafitos de banheiro na contemporaneidade, em comparação à
forma como as mesmas temáticas foram expressas nos graffiti de Pompeia, que são tidos como antecessores dos grafitos
de banheiro.
A seguir, disponibilizo um vídeo
referente à sessão de perguntas feitas pelos ouvintes após minha
apresentação:
* É válido destacar que a coleção
didática Latinitas: leitura de textos em língua latina é fruto
da tese de doutorado (intitulada Dois tempos da cultura escrita em latim no
Brasil: o tempo da conservação e o tempo da produção -
discursos, práticas, representações, proposta metodológica) do autor, a
qual foi premiada em 2014, tanto com o prêmio principal da CAPES na área de
Letras e Linguística, quanto com a menção honrosa no Prêmio ANPOLL (Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística).
_____________________
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de
banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.
COUY, Venus Brasileira. Mural dos nomes impróprios: ensaio sobre
grafito de banheiro. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2005, 117 p.
DELLA
CORTE, Matteo. Loves and Lovers in Ancient Pompeii: A Pompeian Erotic Anthology. English
version prepared by Albert William Van Buren. Cava dei
Tirreni: Arti Grafiche ditta E. di Mauro, 1960, 135 p.
FEITOSA, Lourdes M. G. Conde. Amor e sexualidadeno popular pompeiano: Uma análise de gênero em inscrições
parietais. 2002. 185 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
MAU,
August. The Graffiti. In: ______. Pompeii:
Its life and art. Translated into English by Francis W. Kelsey. New York: The
Macmillan Company, 1899, p. 481-488.
Aqueles que pensam que a prática de
escrita de grafitos de banheiro é algo recente e que essa prática é apenas
característica da contemporaneidade podem se surpreender ao saber que os
grafitos têm sido produzidos, por exemplo, desde o período da Antiguidade
romana. De acordo com Barbosa (1984, p. 77), “[...] a produção de grafitos se
espalha por muitas paredes afora [...]”. O autor afirma que “[...] a
comunicação através de grafitos tem papel marcante na história da cultura
humana”.
Os grafitos de banheiro produzidos na
contemporaneidade mantêm estreita relação com práticas de escrita de outros
contextos históricos. Um exemplo disso são as inscrições que foram produzidas nos
muros e paredes que se espalhavam por Pompeia e, até mesmo, em paredes das casas
de banho da antiga cidade romana.
Dentre as informações que aparecem de
forma recorrente nos estudos sobre os graffiti
de Pompeia estão a questão de sua intensa produção e o fato de que eram
inscritos em diversos locais, tais como: paredes internas e externas de casas, locais de comércio, casas
públicas de banho, bordeis, entre
outros. (WALLACE, 2005). Segundo
Teixeira e Otta (1998), “[...] os romanos produziam inscrições em grego nas
paredes dos banheiros de suas casas [...]” (NETO, 1992 apud TEIXEIRA; OTTA,
1998, p. 231). Abaixo há duas imagens de graffiti
que se encontram inscritos nas paredes dos banhos Stabian:
Exemplo (1) de inscrição parietal encontrada nos
banhos Stabian, em Pompeia. Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte:
(https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83962226 55/lightbox/).
Exemplo (2) de inscrição parietal encontrada nos
banhos Stabian, em Pompeia. Fotográfo: Francis Norman (2012). Fonte:
(https://www.flickr.com/groups/pompeii/pool/with/83973032 80/lightbox/).
Vale destacar que os espaços das casas de
banho ou termas, abrangiam necessidades particulares, comerciais e públicas. As
pessoas as usavam não apenas para a higiene pessoal. Nelas, elas desfrutavam
também de alguns lazeres, pois, as termas eram equipadas com diversos tipos de
facilidades que iam além da função principal de lavar-se.
Tomando por base a perspectiva de Martins
(2003, p. 77) é possível afirmar que os grafitos de banheiro fazem parte de uma
“[...] arqueologia que remonta aos graffiti
de Pompeia e manifesta a existência de vozes efêmeras que se diluem no fluxo da
história”.
Em Pompeia, uma enorme quantidade de
inscrições foi deixada em praticamente todos os espaços disponíveis nos muros e
paredes da cidade, sendo um desses espaços as casas de banho. Na atualidade, o
homem, em sua necessidade de se comunicar, continua a produzir inscrições e ele
faz isso até mesmo no espaço das cabines dos banheiros públicos. As cabines
acabam se tornando um “[...] mural de garantida audiência para nossas acertadas
e espirituosas observações sobre nós mesmo, sobre o mundo, sobre tudo [...]”
(BARBOSA, 1984, p. 77).
_____________________
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Gustavo. Grafitos de
banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p.
MARTINS, Bruno Guimarães. Tipografia popular: Potências do
ilegível na experiência do cotidiano. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 105 p.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2003.
TEIXEIRA, Renata Plaza; OTTA, Emma.
Grafitos de banheiro: um estudo de diferenças de gênero. In: Estudos de Psicologia [online], v. 3, n.
2, Natal, 1998, p. 229-250. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a04v03n2.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2011.
WALLACE,
Rex E. Introduction. In: ______. An
introduction to wall inscriptions from Pompeii and Herculaneum:
introduction, inscriptions with notes, historical commentary, vocabulary.
Bolchazy-Carducci Publishers, Inc.: Wauconda, Illinois USA. 2005, p. ix-xlvi.
A prática de escrita dos grafitos tem
sido divulgada na página do Facebook intitulada Canetão nosso de cada dia. No que diz respeito à página, não foram
encontradas muitas informações sobre ela. Através da própria, é possível saber,
por exemplo, que ela foi criada no dia 28 de julho de 2014. Não há informações
precisas sobre quem administra a página. Na seção Sobre, diz-se apenas: “Sobre
uma mulher gato que sai durante a noite para rabiscar um empoderamento doido ai”.
Por meio dessa descrição, logo fica claro que a administradora compreende a sua
ação de produzir grafitos como um ato de empoderamento feminino.
No dia 16 de agosto de 2014, ela publicou
na timeline da página uma nota, na
qual deixa bem claro quais são os seus objetivos: “empoderar meninas e mulheres
das ruas, aquelas que não têm contato com o feminismo” e “incentivar outras
mulheres a pichar [...], para que elas se empoderem nas ruas e empoderem outras
mulheres”. Algo que fica bastante perceptível é que seus ideais são fortemente
perpassados pelos ideais do movimento feminista. Além disso, vê-se que ela visa
incentivar a prática que ela considera como pichação (mas que se considera aqui
como grafito) e que ela compreende tal prática como uma forma de se promover o
empoderamento da mulher, como uma forma de promover a perspectiva de
valorização social da mulher.
Na página são disponibilizadas diversas
imagens de grafitos produzidos em diferentes espaços públicos (banheiros
públicos, ônibus e paradas de ônibus, monumentos, paredes e portas de
edifícios, etc.). Tais grafitos trazem consigo a perspectiva de empoderamento
feminino e trazem à tona temas relativos à mulher na contemporaneidade. Há, por
exemplo, os que tratam da ideia de que a união entre as mulheres as torna
fortes, os que se referem ao corpo feminino, entre outros.
É explorada a noção do direito da mulher
sobre o seu próprio corpo e isso nos remete ao fato de que, segundo Perrot
(2003, p. 23, grifo da autora), uma das bandeiras levantadas pelo feminismo
contemporâneo é “[...] a necessidade de as mulheres se apropriarem delas, de
lutarem pelo conhecimento e pela autonomia
de seu corpo [...]”. Além dessa questão da autonomia do corpo da mulher,
outro aspecto abordado em alguns grafitos é o da integridade do corpo feminino.
Nesse sentido, há vários exemplos de imagens de grafitos que tratam da questão
do assédio às mulheres, da violência sexual.
É bastante interessante uma das ações da
“mulher gato” ao tratar sobre tais temas. Ela entrou em um banheiro público
masculino que estava vazio e fez a seguinte intervenção:
Imagem publicada no dia 14 de agosto de 2014.
O caso da imagem acima se torna ainda
mais significativo, pois, por meio de um comentário, a administradora da página
revela que suas amigas, em sua maioria, já foram violentadas sexualmente e que
ela também foi sexualmente abusada aos 10 anos de idade. Fica bastante visível
que a sua experiência pessoal (ou seja, o fato de ter sido abusada sexualmente
na infância) tem forte influência na forma como ela compreende a figura
masculina de modo geral.
Nobre (2005, p. 7) afirma que a expressão
“nosso corpo nos pertence”, utilizada pelo movimento feminista, recobre também
“[...] o questionamento à imposição de padrões de beleza, de normas na
sexualidade e na reprodução [...]”. Em algumas imagens de grafitos da já
referida página do Facebook é possível verificar a ocorrência desse tipo de
questionamento. Vejamos alguns exemplos:
Imagem publicada no dia 09 de setembro de 2014.
Imagem publicada no dia 13 de agosto de 2014.
Dentre os diversos debates que se dão no
campo do feminismo estão os que giram em torno da questão em prol da
liberalização do aborto. Tal questão é tratada pela responsável pelo projeto Canetão nosso de cada dia. Além da
relação entre a mulher e seu corpo, os grafitos da página abordam também alguns
dos aspectos que têm caracterizado a sexualidade feminina na contemporaneidade.
Se você quiser conhecer melhor a página é
só acessar:
NOBRE, Miriam. O direito das mulheres a
seu corpo. In: NOBRE, Miriam; FARIA, Nalu; SILVEIRA, Maria Lúcia. Feminismo e Luta das Mulheres: análise e
debates. SOF: São Paulo, 2005, p. 7-14.
PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo
da mulher. In: MATOS, Maria Izilda Santos
de; SOIHET, Rachel. (Orgs.). O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 13-27.
Como já mostrado aqui neste blog, em sua dissertação de mestrado, Costa
Neto investiga as interações homossexuais em banheiros da UFRN. Para isso, o
autor inicia seu trabalho analisando as interações que se dão nas portas dos
banheiros através dos grafitos, considerando-os como uma forma de apropriação dos
espaços dos banheiros.
Inicialmente, o autor recorre à história e mostra que o grafite é uma
prática antiga na história do Brasil. Além disso, o autor preocupa-se em
diferenciar os grafites de rua dos que são produzidos dentro do espaço do
banheiro (o autor usa o termo grafite para referir-se “tanto aos desenhos,
pinturas e pichações de ruas como às inscrições das mensagens nos banheiros
públicos.” (COSTA NETO, 2005, p.40))
Grafite de banheiro
Grafite de rua
Mensagem
Teor Pessoal
Ligada a grupos
Instrumento de escrita
Canetas esferográficas e
hidrográficas, estileites, canivetes, etc.
Spray e tinta
No início da sua pesquisa, Costa Neto tenta interagir com autores dos
grafites de banheiro, deixando contato (e-mail e telefone) nas portas das
cabines. Entretanto, ao ser contactado e revelado que se tratava de uma
pesquisa acadêmica, o autor não obteve êxito, visto que as pessoas só entravam
em contato com um único objetivo: marcar encontro sexual. Ao descobrir que se tratava de uma pesquisa,
desistiam de manter contato ou se expor.
Ao fazer o movimento contrário, Costa Neto também não alcança grandes resultados. Apenas um dos habitués aceita colaborar com a pesquisa.
Os grafites
como veículos das mensagens sexuais
Após a coleta dos grafites, Costa Neto reuniu todo material e partiu
para classificação, na qual os grafites foram separados conforme local onde
foram encontrados e posteriormente por tema. Nesta fase, buscou-se identificar
os grafites com a temática homoerótica, interesse principal dessa pesquisa.
O autor destaca a presença de número de telefone celular e endereço
eletrônico como característica peculiar grafitos atuais, ou seja, o que vai para
as portas, nada mais é que um reflexo da atual sociedade. Outro aspecto importante é o fato dos endereços
deixados na porta apresentarem-se de maneira bastante impessoal (pelointimo@ig.com.br;
entreiguais69@hotmail.com) .
Sendo assim, Costa Neto acredita que além de manifestar/comunicar seus
desejos aos demais, aquele que grafita abre espaço também para interação com o
outro. E muitas vezes, o grafito naquele espaço constitui-se não apenas como
meio de expressão, como também de viabilização de interações/encontros sexuais. REFERÊNCIA COSTA NETO, Francisco Sales da.Banheiros públicos: bastidores das
práticas sociais. . Natal: UFRN,2005. p. 62-82. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.
Eu, por exemplo, até pouquíssimo tempo,
desconhecia a expressão completamente.
Mas, em minhas buscas pela Internet sobre materiais referentes aos
grafitos de banheiro, eu acabei me deparando com ela.
Logo que eu a encontrei, tomei
conhecimento de que a expressão foi cunhada por Glauco Mattoso, pseudônimo de
Pedro José Ferreira da Silva, que, além de escritor, atua também como poeta,
ficcionista, ensaísta, letrista, colunista, “fanzineiro” e tradutor.
Glauco Mattoso
Gagliardi e Marques (2005) apontam como a
vida e a obra de Glauco Mattoso convergem entre si:
G. Mattoso atribui à formação como
bibliotecário (formou-se também em Letras Vernáculas, na USP) a poesia
meticulosamente organizada em séries temáticas; à cegueira (decorrente de um
glaucoma progressivo que lhe roubou integralmente a visão em 1995), a
predileção pela forma fixa, nomeadamente o soneto (que o permitiria escrever de
memória), e o pseudônimo (glaucomatoso: “Adj. e s.m. Que ou aquele que tem
glaucoma”); à condição de homossexual, não raramente associada à deficiência
visual, a autovitimação e a segregação social; e às humilhações vivenciadas na
infância, o posicionamento contracultural, norteado pela denúncia à opressão
(da ditadura ao trote), da sátira à vida política e burguesa, do escárnio
cultural, da brutalidade social, da provocação à ordem, do fetichismo
podólatra, da simbologia fecal e da obscenidade. G. Mattoso entende, em
síntese, o exercício da poesia como forma de “vingança mental” contra
humilhações sobretudo pessoais. (GAGLIARDI; MARQUES, 2005, s/p).
Em seu site, Neme (2007) afirma que o escritor
sempre abordou em suas obras “[...] temas polêmicos, transgressivos ou
politicamente incorretos [...] que lhe alimentam a reputação de ‘poeta maldito’
[...]”.
Quanto à expressão datilograffiti, Gagliardi e Marques (2005) informam:
[...] o "datilograffiti", do
“Jornal Dobrabil”, [...] designa um fanzine de protesto político, escrito à
máquina, em que o poeta incorpora a exploração espacial da página e diferentes
tamanhos de fontes, já praticados pelos concretistas, ao prosaísmo do que chama
de “literatura de mictório”, ou seja, grafites de banheiro público. (GAGLIARDI;
MARQUES, 2005, s/p).
Neme (2007) também informa que Glauco usa
a expressão para designar “[...] a linguagem chula dos grafitos de banheiro
transportada para o papel através da máquina de escrever [...]”.
Glauco Mattoso explorou o datilograffiti
(caracterizado pela exploração do espaço visual da página, da tipografia das
letras, evidenciando a herança concretista) não apenas no Jornal Dobrabil, mencionado por Gagliardi e Marques (2005) na
citação anterior e que foi produzido entre os anos de 1977 e 1981, mas também
em outras publicações, tais como: Revista
Dedo Mingo, Memórias de um Pueteiro
e Línguas na Papa.
Dentre os aspectos que aproximam o
datilograffiti proposto por Glauco e os grafitos de banheiro estão as
referências à escatologia, ao erotismo, às obscenidades. Veja a seguir um dos
textos do Jornal Dobrabil: